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Explicando João 1, 1

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.” João 1, 1

Nessas poucas palavras que cabem em uma única linha, São João expressa um grande conhecimento sobre Nosso Senhor Jesus Cristo. João começa seu evangelho com força total, já mostrando a autoridade de quem ele vai falar nas próximas páginas. Mas por que ele escolheu essas palavras? Por que “No princípio”? Por que “Verbo”? E por que é Deus? O que o evangelista faz nessas três afirmações é explicar a segunda pessoa da Santíssima Trindade, e o que pretendo fazer é destrinchar essa explicação para ficar mais claro e entendermos a profundidade da primeira linha do chamado evangelho dos teólogos.

Definições necessárias

1. Natureza

Podemos dizer de uma maneira bem simples e sintética que a Natureza é o conjunto das características próprias de algo. Estas características encontram-se nos vários seres de uma mesma espécie, por esta razão podemos “classificar” em grupos os diferentes seres a partir de sua natureza. Esta classificação é possível porque a natureza dá a “essência” de alguma coisa, ou seja, a verdade fundamental da coisa, que a constitui.

2. Pessoa

A pessoa é um ente que existe numa natureza racional, só existem três naturezas racionais: a natureza divina, a natureza angélica e a natureza humana. A pessoa existirá de acordo com a natureza na qual ela subsiste: uma Pessoa divina é alguém que existe numa natureza divina, uma pessoa angélica é alguém que existe na natureza dos anjos e uma pessoa humana é alguém que existe na natureza dos homens.

Natureza e Pessoa em Cristo

Jesus é uma pessoa divina existindo numa natureza humana, portanto, ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Como nós vimos, a Natureza de algo responde à questão: “O que é isso?”, a Pessoa, por sua vez, responde à pergunta: “Quem é isto?” Quando olhamos para Jesus e perguntamos: “O que é isto?”, a resposta é: “um homem”, mas quando perguntamos “Quem é este homem?”, a resposta é: “Ele é Deus”. Mas como Natureza e Pessoa estão indissoluvelmente unidas, podemos afirmar que Jesus é, ao mesmo tempo, Deus e homem verdadeiro.

A palavra Verbo

O termo “verbum” em latim significa “palavra”. A partir dessa raiz latina, a palavra evoluiu para o português como “verbo”, mantendo um significado central relacionado à linguagem. No latim, “verbum” não se restringia ao que hoje entendemos especificamente como verbo em termos gramaticais, mas referia-se genericamente a qualquer palavra ou expressão verbal. Este uso amplo reflete uma concepção antiga em que a ideia de palavra não era rigorosamente diferenciada da ideia em si. Para os antigos, palavras e ideias eram profundamente interconectadas. Entendia-se que as palavras tinham um poder intrínseco de invocar e transmitir ideias e realidades.

Essa interconexão é evidente em muitas tradições religiosas e filosóficas da antiguidade. Por exemplo, na filosofia grega, especialmente em Platão, há uma ênfase na relação entre o “logos” (palavra, discurso, razão, pensamento) e a verdade. Para Platão, o “logos” não era apenas uma sequência de sons, mas uma manifestação do pensamento e da realidade. De forma similar, o conceito do “Verbo” (ou “Logos” em grego) é central.

Um possível exercício para entender o que estou querendo explicar é o seguinte: pensem em uma situação qualquer… Agora tente pensar na mesma coisa sem utilizar palavras em sua mente. Não conseguiu? Claro que não, porque é impossível. A palavra, a sua linguagem, é a ferramenta que seu intelecto usa para pensar. Por isso, temos essa ligação direta entre palavra e pensamento.

Geração do Filho

Com esses conceitos apresentados, conseguimos dar uma explicação do por que Cristo é o Verbo de Deus, e sobre a santíssima trindade.

“Coisas diferentes têm diferentes modos de geração. A geração de Deus é diferente da geração das outras coisas; portanto, só podemos compreender algo da geração de Deus comparando-a com a geração da criatura que mais se assemelha a Deus. Ora, nada é tão semelhante a Deus quanto a alma humana, como dissemos. O modo de geração na alma é assim: o homem pensa em algo através da alma, o que chamamos de conceito do intelecto; e tal conceito nasce da alma como dum pai, sendo chamado de palavra do intelecto, ou do homem. Portanto, a alma, ao pensar gera sua palavra. Assim, o Filho de Deus não é outra coisa senão a Palavra de Deus, não como uma palavra proferida externamente, pois essa é passageira, mas como uma palavra concebida internamente, e portanto, a Palavra de Deus é da mesma natureza que Deus e igual a Deus.” Santo Tomas de Aquino

Ou seja, Deus conhece a si perfeitamente, e ao pensar em si Ele gera sua Palavra, seu Verbo. E essa Palavra tem a mesma natureza que Deus, pois, como explicado, natureza é o conjunto das características próprias de algo. E, nesse pensamento, nada falta, pois Deus se conhece inteiramente, e nada acrescenta, pois já é perfeito, então é igual a Deus. Como Deus sempre existiu, Ele também sempre se conheceu, então seu Verbo também é tão eterno quanto Ele. Para finalizar a explicação sobre a Santíssima Trindade, podemos dizer que o Pai se ama, ou seja, ama o Filho (Verbo) perfeitamente. Esse amor é tão perfeito que gera a terceira pessoa, o Espírito Santo, que é o amor entre o Pai e o Filho. Assim, temos a procedência da Santíssima Trindade: o Filho procede do Pai, pois é gerado por Ele, e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, pois é a relação de amor entre o Pai e o Filho.

Portanto, “No princípio era o Verbo”, iniciando seu evangelho da mesma maneira que começa o livro de Gênesis, dizendo que, antes de tudo, só existia Deus. “E o Verbo estava junto de Deus”, pois o Verbo é tão eterno quanto o Pai. “E o Verbo era Deus”, pois tendo todas as características do Pai era da mesma natureza divina, o mesmo Deus.

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